domingo, abril 17, 2011

Carpe diem


Vida Simples

Carpe diem


Por que essa expressão tão difundida no decorrer dos séculos nunca foi tão importante para sua vida quanto nos dias de hoje


*texto Juliana Sayur i(editado e retirado da revista Vida Simples da editora Abril)


Quebrar o caramelo queimado do crème brûlée com uma colher, lançar pequenas pedras a quicar como singelas notas musicais na correnteza do rio, espiar discretamente as delicadas obras de arte do vizinho pela janela.


Essas cenas triviais passariam invisíveis ao frenesi cotidiano de muita gente, mas estrelam diversos momentos líricos dos petits plaisirs de uma jovem garçonete em Paris. 


Assim, deslizar as mãos em um rústico saco de feijão seria quase tocar o pote de ouro no fim do arco-íris.
 Ao menos para a doce francesinha do clássico contemporâneo O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Nas suas peripécias diárias para tornar a vida dos amigos mais alegre, Amélie nos faz um convite para aproveitar o dia.


O poeta latino clássico Quinto Horácio Flaco escreveu os célebres versos: “Melhor é aceitar! E venha o que vier! Quer Júpiter te dê ainda muitos invernos, quer seja o derradeiro este que ora desfaz nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno, vive com sensatez destilando o teu vinho e, como a vida é breve, encurta a longa esperança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos: trata, pois, de colher o dia, o dia de hoje, que nunca o de amanhã merece confiança”.

O poema que ficaria cristalizado o termo carpe diem, ou “aproveite o dia”, em bom português – uma espécie de expressão-filosofia que valoriza as trivialidades fascinantes de uma vida simples

“Vive sem esperar pelo dia que vem; Colhe hoje, desde já, as rosas da vida”.
 Ao longo dos séculos, o carpe diem se tornou um mantra, ainda mais difundido na nossa sociedade contemporânea, tão abarrotada de afazeres e sem tempo para esses pequenos prazeres de se viver o hoje.

Fruir para não fluir

À revelia das pressões modernas, com o isolamento de uma sociedade consumista, workaholic e ensimesmada nas metrópoles cinzas, ainda há espaço para um espírito de fruição da vida, de abertura às gratificações do efêmero: uma caminhada sem destino, o pastel na feira, a cerveja com um velho amigo na happy hour, as cores únicas do céu no pôr do sol...

 “Afinal, a vida é algo que se gasta, que se esvai, que flui. Nesse sentido, é puramente sensorial. O próprio permitir-se a não pensar é um ‘colher o dia’ valiosíssimo”, diz. Uma questão intrínseca ao carpe diem é a bela e angustiante transitoriedade da vida.

 A cultura ocidental, com a assimilação da cultura judaico-cristã, impôs a ideia de que para se conquistar uma felicidade além-túmulo é preciso renunciar aos impulsos dos desejos carnais e das satisfações fugazes: “Diria que tal renúncia não deixa de ser uma renúncia à própria vida, à própria existência humana”.

Diante de nossas incertezas, há uma certeza inelutável: a vida é finita, dissipando-se diante de nossos olhos a cada milésimo de segundo. 

Assim, ninguém poderia ser feliz para sempre, pois justamente o “para sempre” é inatingível. Os dias passam, as pessoas passam, as histórias passam. “Mas talvez a beleza da vida possa residir precisamente nisso.






Por mais que isso também seja para muitos uma fonte de angústia.

 Assim, o carpe diem pode ter um fundo transformador muito positivo. 
Estar tomado pela convicção da fugacidade da vida pode ser um convite a vivermos mais e melhor, à experiência de estar aqui".

Hoje, ontem e amanhã

Não se pode viver nem só direcionado ao futuro, nem ancorado no passado.” 
“Felicidade é um instante de vibração vital. Não é um estado.” 


Portanto, viver “intensamente” pode corresponder à construção desses pequenos momentos especiais, que fazem a vida valer a pena.

Em um mundo onde há restrições por todos os lados – o cotidiano maçante da jornada de trabalho, as azucrinantes pressões das contas a pagar, o açúcar e o álcool como vilões das dietas saudáveis impulsionando a busca pelo corpo perfeito etc. –, por que apenas não nos permitimos mais?

 Por que não nos damos o prazer de uma generosa fatia de bolo de chocolate? Só porque isso pode nos render uns quilos a mais? 

A verdade é que é difícil viver sem a perspectiva de um amanhã, de se romper a constatação de que o bolo de hoje pode acarretar um peso maior na balança. 

“Acontece que o amanhã existe, como sabe todo mundo que já acordou de ressaca”.
Portanto, pensando no amanhã, deixamos de viver plenamente o hoje. Ou: até quando nos entregamos ao hoje, não o fazemos efetivamente, por covardia ou por simples abnegação.

Doses diárias

Discordâncias éticas, filosóficas e metafísicas à parte, a questão é que os pequenos prazeres devem ser considerados presentes para o presente. Sem violar a cartilha dos bons costumes dos moralistas, todos podem se deleitar com pequenas aventuras cotidianas, os breves instantes em que nos entregamos ao momento.


Mais do que uma filosofia de vida, o carpe diem pode ser uma inspiração, um convite para as coisas que acontecem com a gente agora, se entregando ao prazer que elas proporcionam.

Conversar com um amigo, de preferência no fim da tarde, já é um motivo para sorrir, assim como perambular pelas ruas da cidade.

 Os pequenos prazeres de ouvir música, ler um bom livro ou ficar sem fazer nada.
 Assim, bons vivants de diversos estilos se deliciam com pequenos prazeres de toda sorte, quando os momentos absolutamente triviais se tornam especiais.

 A ideia de que hoje pode ser o último dia de nossas vidas tende a ser angustiante, mas também pode ser libertadora à medida que nos convida a degustar nossas pequenas doses diárias de felicidade.

Duas emoções básicas movem o comportamento humano: o medo da dor e o prazer.
E elas também alicerçam o nosso desejo de controlar. "Queremos manipular por medo de que as coisas fujam do nosso controle e nos causem sofrimento. 

É medo da dor, insegurança. O que não percebemos é que esse desejo nos aflige tanto ou mais do que o sofrimento que teríamos se deixássemos as coisas tomarem seu próprio rumo".

O controle exacerbado pode estar ancorado no medo. 
Mas não só. 
O controle também tinha a ver com o prazer quase erótico em exercer poder.


 E alguém que domina e controla uma situação pode obter muita satisfação com isso. O poder também dá uma sensação de segurança, que distancia a pessoa do medo de experimentar dor.


Alguma coisa está fora da ordem


Alimentamos a ideia de que podemos controlar tudo em nossas vidas. Nada mais enganoso. E isso vale inclusive para aqueles que acreditam ter na mão as rédeas da situação. Afinal, será que existe destino?


*texto  Liane Alves (editado e retirado da revista Vida Simples da editora Abril)

A questão é que essa sensação que nos alivia se baseia numa formidável ilusão: a de que realmente conseguimos controlar a vida. Feliz ou infelizmente, porém, a existência se revela bem mais indomável e resistente do que podemos imaginar.
Fúria de titãs
O desejo de controlar a própria existência levanta muitas perguntas de caráter universal:

Será que existe destino? 
Como funciona a lei do carma? 
Tudo está predeterminado desde o início?
Temos mão no jogo da vida ou ela já foi escrita nas estrelas?


O filme A Fúria dos Titãs, um clássico das sessões da tarde na televisão, traduz em imagens uma das possíveis respostas a essas perguntas.

 Em determinados momentos da fita, os deuses do Olimpo, que assistem de cima à trama que se trava lá embaixo na Terra, simplesmente dão sumiço, substituem ou mudam de lugar determinado personagem, como se se divertissem com um enorme jogo de xadrez. 

Ora ajudam o herói com suas benesses e presentes, ora o atrapalham com monstros e titãs. 

O princípio do jogo é aparentemente benévolo: tudo é feito para que ele possa aprender com os obstáculos e fazer seu caminho com o reconhecimento de que pouco pode fazer sem a ajuda divina. Isto é, mostra que as grandes questões existenciais que têm a ver com o desenvolvimento de sua consciência estão fora do seu controle. Ponto.

Provavelmente não dependemos de deuses barbudos que jogam xadrez no universo. 

Mas é possível que estejamos sob o jugo de forças e leis capazes de tirar o controle de nossas mãos, especialmente quando não as conhecemos direito.

Diz o professor e matemático norte-americano Leonard Mlodinow, que escreveu um livro, O Andar do Bêbado, onde analisa algumas das possíveis leis pouco conhecidas que atuam na nossa vida, como a da aleatoriedade.

Ele diz, por exemplo, que o acaso tem um importantíssimo papel em nossa existência.
E que é falta de bom senso querer eliminá-lo.

Se enrijecemos no controle, se engessamos a existência na maneira como achamos que as coisas devem acontecer, diminuímos as chances da aleatoriedade, ou o acaso, se manifestar - uma perda verdadeiramente lastimável, de acordo com Mlodinow.

 Algumas pessoas reconhecem isso intuitivamente.


 "Acho que o universo é bem mais criativo do que eu.

1000imagens.com
Planejo, organizo, faço cálculos e previsões, mas, se observo uma mudança de rumo, não a descarto imediatamente. Primeiro vejo se o quadro geral pode se beneficiar com ela.

O engraçado é que na maioria dos casos a interferência se revela positiva".

"Mesmo se considerarmos que a chance de esse imprevisto ou mudança ser favorável seja apenas de meio a meio, ainda assim teremos 50% de possibilidade de que essa interferência seja benéfica, o que é um índice bem alto. Um controlador exacerbado jamais admitiria isso."

Outra lei que é a maior casca de banana em nossos desejos de manipulação é a polêmica Lei de Murphy.

Pode anotar no seu caderninho: quando o controle é excessivo, o tiro sai pela culatra.

Pois é. Perdemos a sabedoria de que existe o momento de assumir responsabilidades, planejar, organizar e realizar. 

Mas que também pode haver outros para soltar as rédeas, relaxar, criar e aprender com o que se apresenta. 

E que é saudável ter essa possibilidade bem presente e viva nas nossas escolhas e decisões. Let it be, deixe acontecer.

Pelo menos de vez em quando, claro.


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